quinta-feira, 13 de novembro de 2025

O ar da Brasília digital está pesado, carregado não de chuva, mas de bytes e controvérsia. De um lado, o Legislativo, com a boa intenção de quem quer limpar a praça pública da desinformação e do ódio. Do outro, uma fileira de críticos — gigantes da tecnologia, ativistas e juristas digitais — com a testa franzida e um grito de alerta: "Cuidado! O remédio pode ser pior que a doença." O centro dessa disputa é o Projeto de Lei $2630/2020$, batizado com a alcunha séria de "PL das Fake News", mas que, na prática, virou um nó górdio que tenta amarrar as rédeas soltas da internet brasileira. O argumento que ressoa mais forte na sala de debates é o da censura. Não a censura estatal direta, com um carimbo oficial, mas algo mais sutil e talvez mais perigoso: a autocensura das plataformas. O PL, ao ameaçar as gigantes de tecnologia com multas que fariam tremer qualquer balanço por "conteúdo ilegal" ou "desinformação", está, na verdade, colocando-lhes uma arma na mão. O crítico aponta que, no receio de serem punidas, as plataformas farão o que chamam de overblocking: uma remoção excessiva. "Eles não vão se arriscar," dizem os especialistas, "vão tirar o conteúdo na dúvida, silenciando o debate legítimo e o ativismo, apenas por autoproteção." Assim, as empresas privadas, de Wall Street a Mountain View, ganhariam o poder de decidir, na prática, o que é permitido e o que é proibido no Brasil, sem o crivo de um juiz ou de um tribunal. A falta de clareza nas definições jurídicas atua como uma neblina, garantindo que a arbitrariedade encontre um bom esconderijo. Por trás dessa discussão, há um fantasma que assombra os arquitetos da internet brasileira: o Marco Civil da Internet ($12.965/2014$). O Marco, nosso grande farol digital, estabeleceu uma regra de ouro: as plataformas só respondem por um conteúdo se desobedecerem a uma ordem judicial específica de remoção. O PL $2630$ ignora esse alicerce. Ao exigir a moderação proativa – ou seja, que as empresas policiem o conteúdo antes que um juiz se manifeste – ele transforma as plataformas em "delegados de conteúdo". Essa transferência de poder, que deveria ser do Judiciário (a única instância com legitimidade constitucional para tal), é vista como um golpe direto no equilíbrio que protegeu a inovação e a liberdade de expressão por mais de uma década. Aprofundo os detalhes incômodos. A proposta de exigir a identificação de usuários, talvez via CPF, e a rastreabilidade de mensagens (as famosas "correntes de WhatsApp") é lida como um cerceamento ao anonimato. Para o dissidente, para o ativista que precisa se esconder das garras da opressão, o anonimato online é uma armadura. Fragilizá-lo é expor dados sensíveis e silenciar os mais vulneráveis. E no campo econômico, o debate sobre regulação vira uma história de Davi contra Golias. As exigências complexas de compliance, que demandam investimento pesado em Inteligência Artificial e exércitos de moderadores, são impossíveis de serem cumpridas por startups e pequenas empresas. O resultado? A lei beneficia quem já é gigante. Consolida-se, assim, a capacidade de ditar regras e a concentração de mercado nas mãos das poucas e poderosas "Big Techs". Ainda no caldeirão do PL, há um ingrediente que, para os críticos, não deveria estar ali: a obrigatoriedade de remuneração do conteúdo jornalístico pelas plataformas. A discussão sobre direitos autorais e compensação financeira, embora legítima, é vista como uma cortina de fumaça. "Não se pode misturar uma pauta econômica com a essencial discussão sobre os limites da liberdade de expressão," insistem os opositores, preocupados que o tema do dinheiro obscureça o debate fundamental sobre a censura. O que se desenha, em suma, é um dilema da modernidade: a necessidade de ordem em um espaço sem fronteiras contra a garantia de que esse espaço não vire um pântano de regras arbitrárias. Os críticos do PL $2630/2020$ concordam que a desinformação é um veneno. No entanto, alertam que a dose proposta pelo Legislativo é tão letal que pode matar, junto com a mentira, a própria voz da democracia. O desafio, agora, é encontrar a bússola que aponte o caminho estreito entre a proteção da sociedade e o imperativo constitucional que garante: falar livremente é o direito que protege todos os outros.

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