terça-feira, 18 de novembro de 2025
Língua Portuguesa, coitada!
Bom dia, boa tarde, boa noite. A todos, a todas, a todes e, arrisco dizer, até aos nescaus e nesquiks – porque o dia anda tão paradoxal que até a preferência matinal merece ser saudada.
Pois bem, meu povo. A novidade do dia pousou na mesa do café como um pombo-correio burocrático, trazendo consigo um decreto de peso. Sim, por força de lei, dizem os trombeteiros do Diário Oficial: o presidente mais... digamos... envolvente da nossa história recente resolveu bater o martelo e, zás, proibiu o uso da chamada linguagem neutra, inclusiva, não binária ou, para os moderninhos, a tal linguagem desgenerificada. O veto é geral e alcança todas as esferas da administração pública.
E o que, na prática, significa esse cataclisma fonético-legal?
Resposta: Nada! Absolutamente nada!
Em uma nação onde a grande maioria da população já soa, geme e faz contorcionismo verbal para acertar a concordância do português formal, imagine só o impacto real da proibição de um dialeto paralelo que mal havia saído da bolha universitária e das redes sociais. É como proibir a existência de um unicórnio que poucos viram, mas muitos temem.
Mas o tempero, o verdadeiro crème de la crème desta narrativa, jaz na galeria dos olhares. A gente fica imaginando a cara. A cara da primeira-dama. A cara dos ministros e ministras que, por vezes, pareciam empenhados na causa do "elu/delu". E, sobretudo, a cara dos educadores. Aqueles que, todos os dias, parecem assinar o atestado de óbito da já surrada e cambaleante Língua Portuguesa. Aqueles que, em sua cruzada de inclusão, acreditam piamente que ser ignorante na própria língua é o passaporte definitivo para a aceitação social. Sim, eles acham que a ignorância linguística inclui alguém na sociedade.
E a nota de rodapé mais triste, a vergonha final, não fica restrita aos corredores palacianos. Ela se estende, para desespero póstumo de Machado de Assis, até o sagrado panteão da ABL, a Academia Brasileira de Letras, que recentemente abriu suas portas e braços para abraçar um tal de... "pretuguês". É de virar a página do dicionário e chorar.
Olho para o calendário e só consigo murmurar, cansado: Acaba logo, 2025! O vocabulário nacional agradece.
Oito a zero! O inacreditável oitavo gol da Alemanha!
A COP30 em Belém, Pará, tinha tudo para ser o grande gol de placa. Colocar o circo climático da ONU no coração da Amazônia era um lance de puro simbolismo político, um daqueles momentos em que o local é a mensagem. Mas, no gramado de verdade, o que se viu foi um festival de lambanças que transformou o jogo em uma goleada contra a competência. Foi a ambição esbarrando na execução, e a derrota, meus amigos, foi por nocaute.
A tal "zona azul" — o bunker sagrado das negociações — virou uma zona de guerra contra o bom senso. Delegados, que já chegam com a cabeça quente pelos temas espinhosos, foram recebidos com um calor de rachar a cuca (ar-condicionado? Para quê?), alagamentos que faziam a gente pensar que a Conferência era sobre submersão, e uma segurança tão vulnerável que manifestantes quase deram um abraço nos líderes mundiais sem serem convidados.
Não era um evento da paróquia. Era a ONU. E a falha em prover o básico — um ambiente de trabalho seguro e funcional — não apenas atrapalhou os negociadores, mas manchou a credibilidade brasileira como anfitrião. Enquanto a organização tentava consertar as goteiras e reforçar a cerca com fita adesiva, o estrago já estava feito. Belém, que deveria ser o palco da redenção climática, provou ser um fardo logístico para o qual a turma do apito estava, inacreditavelmente, despreparada.
O caos de fora da sala acabou invadindo a mesa de negociações. Com a energia desviada para secar o tapete e impedir invasões, quem tinha fôlego para discutir financiamento climático ou metas ambiciosas (as famigeradas NDCs)? O debate estagnou, ficou preso num pântano burocrático, enquanto o ar-condicionado pingava na cabeça do representante de um país insular.
E as grandes potências? Ah, essas foram discretas. China e a nata da União Europeia, incluindo a Alemanha, pareciam encolher os ombros, céticas. Talvez o ambiente de desorganização tenha sugerido que o evento não produziria nada de concreto, e era melhor manter a ficha limpa.
O golpe de misericórdia, porém, veio de Friedrich Merz, o Chanceler Federal alemão. Direto de Berlim, ele não precisou ser sutil. Usou sua experiência na Cúpula de Líderes em Belém para fazer uma crítica devastadora, en passant. No seu relato, ao exaltar a Alemanha como "um dos países mais bonitos do mundo", ele escancarou o desagrado com o local do evento. Não criticava a causa, mas a experiência. E a frase que ficou entalada na garganta foi a de que nenhum jornalista que o acompanhava levantou a mão para ficar por aqui. Pelo contrário: "Todos ficaram contentes por termos retornado à Alemanha, especialmente daquele lugar onde estávamos". O desastre logístico se traduziu na fuga da comitiva.
Se o Merz, que é conhecido por ser cáustico, desse o placar da organização, seria um vexame. Mas quando a gente acha que não pode piorar, o universo da desorganização parece dar um jeito. Enfim a Alemanha faz seu oitavo gol! Foi o que pensei, com ironia, ao ouvir o relato do Chanceler — um placar de 7 a 1 na organização, e a oitava bola na rede era a declaração dele, que selava a humilhação logística com uma nota diplomática de repúdio ao caos.
A COP30, no fim das contas, não será lembrada só pelas metas que não saíram do papel, mas pela lição amarga de que o simbolismo, por mais forte que seja, jamais compensa a fragilidade da infraestrutura e o despreparo. Belém, ao invés de símbolo de esperança, virou sinônimo de transtorno. E quem pagou o preço foi a imagem do Brasil.
Se a Princesa Ruby pudesse falar...
A tarde se arrastava, preguiçosa, no quarto. Lá fora, o trânsito da cidade gemia seus lamentos metálicos: os motores dos carros velhos, os escapamentos abertos dos motoboys, a máquina de lavar carros do outro lado da rua e as vozinhas estridentes das crianças da vizinhança. Mas aqui, no parapeito da janela, em frente a uma frondosa figueira na Vila Britânia — o meu trono particular —, tudo era silêncio e sol morno.
Eu, Princesa Ruby, uma gatinha de pelo tricolor com uma sabedoria que transcende as nove vidas, observava a Humana.
Ela estava na cama, absorta naquele quadrado luminoso que a rouba de mim por horas a fio. E divagava sobre a Gratidão. Ah, os humanos e suas complicações existenciais! Eles transformam o ato mais simples do universo em uma ginástica cerebral com "se", "mas" e "portantos".
Para mim, a gratidão não é um conceito; é um estado de ser. É o calor que irradia do peito quando sinto o aroma familiar da ração no pote, não porque ela mereça dar, mas porque ela deu. É o miado baixo e rouco que solto quando ela me alcança na cama e me transforma em um novelo de pelo macio. Eu não estou fazendo um cálculo contábil: "Recebi comida ontem, devo ronronar hoje". Não. Eu estou sentindo a segurança, o conforto, o aconchego agora.
Minha gratidão, veja bem, não tem filtro, nem análise de intenção. É a pata macia que pousa no pulso dela quando ela chora, sem perguntar o porquê da lágrima. É a massagem incessante na coberta, o ato puro de transformar o que é dela em algo nosso, ligado à minha sobrevivência e que, de repente, se torna uma devoção inabalável. Eu a aceito com o cabelo bagunçado, com as escolhas de vida que me parecem estúpidas (tipo sair de casa sem me dar um petisco de despedida), e com aquela mania irritante de me agarrar e me encher de beijos. Minha lealdade é um laço de alma e focinho. É presente puro.
A Humana, por outro lado, precisa de um organograma. Ela pensa: "Fulano me fez um favor. Eu devo reconhecer que ele não era obrigado. Devo valorizar a intenção dele e agora tenho que retribuir: um presente, um 'obrigado' formal, ou talvez 'pagar adiante'". É um circuito de virtudes, uma forma ética de se conectar com a sociedade, e é lindo, confesso. Essa reflexão, esse ato de agradecer conscientemente, realmente parece acalmar a tempestade dentro dela.
Mas é aí que mora o perigo para eles. Por ser complexo, falha. Ela pode julgar o presente. Pode desvalorizar o básico. Pode deixar o "obrigado" preso na garganta por orgulho ou por estar muito ocupada pensando no futuro ou no passado. A gratidão deles é uma montanha-russa de "será que eu mereço?" e "o que isso significa?".
Eu me levanto, espreguiçando-me até as pontas das garras, e salto do parapeito. Caminho com elegância calculada e paro ao lado dela. A Humana me olha, a testa franzida.
Eu me esfrego na lateral do joelho dela, roçando o pelo macio na aspereza de sua calça. É um movimento antigo, ancestral. É o meu lembrete silencioso:
"Você me deu a chance de estar aqui, e eu te dou tudo de mim, incondicionalmente."
Eu sou a prova viva de que, no fim, a diferença entre a gratidão humana e a felina se resume a isso: vocês transformam o sentimento em ética e consciência, e o usam para serem melhores. Nós o vivemos como afeto e lealdade crua, uma aula ininterrupta de que não há julgamento no amor.
No fundo, quando ela me pega no colo, e eu sinto o cheiro dela (meu cheiro, que eu marco nela todos os dias) e me aninho em seus braços, eu sei: todo ser vivo só quer se sentir seguro e amado. E esse abraço, esse encaixe perfeito de mim no seu colo, é a prova de que a gratidão é apenas isso: o sentimento inexplicável e maravilhoso de estar em casa.
Eu começo a ronronar, um motor vibrante que preenche o silêncio do quarto. Diante desta realidade, eu só tenho de agradecer a minha Humana, que teima em se chamar de Márcia, mas eu sei, o seu nome é Elena. Obrigada pela maravilhosa vida de carinho, afeto e amor verdadeiro que você me proporcionou.
Da sua gatinha que vai te amar para sempre,
Ruby
domingo, 16 de novembro de 2025
Trilhos, Sanatórios e o Tempo que Passa em Campos do Somos Campos do Jordão
Campos do Jordão tem um cheiro particular. Não é apenas o aroma de pinho ou a friagem da Mantiqueira. É o cheiro metálico e levemente oleoso dos trilhos de uma velha dama de ferro, a Estrada de Ferro Campos do Jordão (EFCJ).
Em novembro de 2025, esta linha férrea centenária — 111 anos nas costas — não carrega apenas turistas; ela transporta fatias de história, uma história que começou com a saúde e se metamorfoseou em puro deleite turístico.
É preciso fechar os olhos e imaginar: 1914. Campos do Jordão não era a Suíça brasileira das fotos de hoje, mas um refúgio isolado, uma esperança. Seu clima, dizia-se, era o melhor remédio para a tuberculose. A ferrovia não era um passeio, mas sim a linha da vida que ligava Pindamonhangaba aos sanatórios no alto da serra.
Aqueles vagões originais eram veículos de fé e necessidade. Pacientes, cansados e esperançosos, faziam uma viagem que era, por si só, uma prova de engenharia. Pense bem: vencer um trecho de 11% de inclinação em livre aderência é um feito audacioso, quase poético, de como a vontade humana pode domar a natureza. E culminar no Ponto Culminante Ferroviário do Brasil, a 1.743 metros de altitude, bem no Alto do Lageado, era atingir, literalmente, o ápice da jornada. O pioneirismo veio rápido: em 1924, o apito a vapor deu lugar ao zunido da eletricidade, cortesia da inglesa English Electric.
Mas a medicina avança. Os sanatórios fecharam as portas e o mundo esqueceu a tuberculose como um mal incurável. O que fazer com uma estrada de ferro que perdeu sua função primordial? A EFCJ, como as montanhas que a cercam, soube se reinventar.
A partir dos anos 70, a velha senhora vestiu uma fantasia de turista. Ela instalou o primeiro teleférico do país e começou a trocar a urgência da cura pelo vagar cênico. Hoje, os bondes turísticos ressoam na cidade, e o trem da serra é uma atração que nos convida a desacelerar, a beber a paisagem em doses lentas.
O futuro, porém, é sempre um bilhete de primeira classe. Com os 111 anos, vem o debate: a modernização, a concessão à iniciativa privada. O Governo de São Paulo discute entregar os trilhos a mãos que prometem reativar e aprimorar o trecho completo: Pinda, Santo Antônio do Pinhal e Campos do Jordão. A esperança é que, mesmo sob nova gestão, a ferrovia mantenha seu patrimônio, sua alma e sua história, enquanto impulsiona a economia regional.
E toda grande história tem um nome. Esta tem o sotaque grave e a teimosia escocesa de Robert John Reid. Este engenheiro, formado em Oxford, não só demarcou a Fazenda Natal (que virou a cidade), como usou seu pagamento em terras para fundar e urbanizar a Vila Abernéssia — uma homenagem a suas cidades natais, Aberdeen e Inverness.
Reid é o fantasma gentil que caminha ao lado dos trilhos. Foi ele quem doou o terreno para a primeira estação e lutou com unhas e dentes, ao lado de Emílio Ribas, pela construção e, crucialmente, contra a desativação da EFCJ. Ele sabia, instintivamente, que a ferrovia não era apenas sobre transportar doentes, mas sobre transportar o futuro da região.
Hoje, sentados em um bonde elétrico, ouvindo o leve ranger dos eixos, somos herdeiros da visão de Reid. A EFCJ é um portal: ao mesmo tempo em que nos leva ao turismo do presente, nos devolve ao passado, ao tempo em que o apito do trem era o som da esperança a subir a serra.
quinta-feira, 13 de novembro de 2025
O Abuso Seletivo do Olhar Jornalístico
A crônica, dizem, é o olhar do autor sobre o miúdo, o diário. Mas e quando o miúdo é o sangue da calçada, e o diário é a repetição do luto? A polêmica da vez, que não é nova, volta à roda: a tal "neutralidade" do Jornalismo de Segurança.
Lá vem o jornalista, cheio de esmero, defender a função de "contrapoder", o nobre ofício de fiscalizar a ação policial, citando a ADPF 635 e os protocolos. Tudo muito técnico, correto, engessado. Mas o leitor, o cidadão de bem ou o habitante da área de risco, tem outra calculadora na cabeça, e é aí que a crônica do povo se choca com a manchete do jornal.
A primeira coisa que salta aos olhos é a falácia da proporcionalidade. Gasta-se o latim e o megabyte para destrinchar o laudo, a câmera, a legalidade do tiro que abateu aquele criminoso. Um esmiuçamento obsessivo do "suposto abuso" policial. Justo? Talvez. Mas, na mesma proporção, onde está a mesma lupa investigativa e o tempo de tela dedicados a expor o nome, o rosto e a punição efetiva dos que cometeram os crimes de alta letalidade contra a sociedade?
O cidadão tem a sensação amarga de que a exigência de laudo perfeito para a polícia é inversamente proporcional à exigência de que o sistema de justiça penal de fato prenda e mantenha preso quem aterroriza. A prioridade, então, não parece ser a segurança pública, mas sim dificultar o trabalho de quem está na linha de frente.
E o contexto, onde fica? As grandes operações, as chamadas "megaoperações", não surgem do nada. São a resposta, por vezes desastrosa, a uma violência criminal que virou doença crônica em certas áreas. Ao focar apenas no "remédio" (a ação policial) e omitir a brutalidade da "doença" (a ameaça constante do crime organizado), o questionamento da imprensa parece desproporcional, quase um luxo teórico.
O efeito prático é corrosivo. A insistência em dissecar o erro, em humanizar o criminoso abatido com pinceladas de sua biografia, enquanto o agente policial é exposto ao linchamento midiático e à insegurança jurídica constante, resulta na desmoralização da força policial. Cria-se um ambiente onde o policial pensa duas vezes antes de agir sob estresse, e o crime organizado agradece, observando a desordem da legalidade.
A linha que separa o jornalismo da advocacia, nesse caso, fica tênue. O foco excessivo nos direitos humanos e na legalidade da ação, pautas típicas de ativistas e advogados, faz o público questionar: o jornalismo está a favor do estado de direito ou apenas de uma parte dele?
Para a parcela crítica, o estado de direito é, antes de tudo, a capacidade do Estado de exercer o monopólio da força para garantir a ordem e proteger a vida. Ao se concentrar quase que exclusivamente no controle da violência estatal, a imprensa é vista como negligenciando o direito fundamental à segurança do cidadão comum.
Essa é a inversão de valores na narrativa. Quando se critica o "sucesso tático" de uma operação pelas mortes que resultaram (as 121, no exemplo), sem apontar uma alternativa prática e eficaz para confrontar a ameaça, parece que a imprensa não está condenando o erro, mas sim a única força disposta a confrontar.
No fim, a crítica não nega o papel fiscalizador. Ela apenas grita sobre a frequência e a proporção. Quando o foco seletivo no "abuso" da farda ofusca a brutalidade do crime organizado, o resultado não é neutralidade, é a percepção clara de que a imprensa se tornou, na prática, um obstáculo implícito à segurança. E isso, meu caro, é uma desconfiança que se vê todo dia nas esquinas do país.
O Silêncio Estratégico de J-Law
O dia em que a Celebridade decidiu que a Arte deveria falar mais alto que a Manchete
O tapete vermelho, todos sabemos, é apenas uma miragem. O verdadeiro palco da cultura pop não é de glamour, mas de guerrilha. É um ringue invisível onde a Arte, com seu manto de complexidade, e o Ativismo, com sua urgência estridente, digladiam-se pelo centro das atenções. E no meio dessa arena, com uma lucidez quase inédita para alguém forjada sob o fogo de Hollywood, surgiu a voz de Jennifer Lawrence.
A estrela de "Jogos Vorazes" e vencedora do Oscar, a mesma que em um passado recente empunhava o megafone do ativismo 'de manchete' — aquele feito sob medida para viralizar e gerar impacto instantâneo — acaba de anunciar uma profunda recalibragem em sua bússola moral e artística.
É um ato de bravura intelectual. Lawrence não abandonou a causa, mas sim o palanque. Sua nova postura lança uma sombra complexa sobre a pergunta que teima em dividir o meio cultural: O artista vocal e radical não estará, paradoxalmente, matando a Arte ao esvaziá-la de sua universalidade?
Para J-Law, a resposta é um sonoro e talvez melancólico "sim". Ela sugere que a urgência da mensagem política, ao ser gritada pelo artista, asfixia a própria obra que deveria carregá-la. É a morte lenta da conexão humana fundamental.
Em um mundo já estilhaçado e polarizado, o artista que se veste de agitador corre o risco tático de ser visto, em primeiro lugar, como um "líder de opinião" incisivo e, só em segundo plano, como um mero "contador de histórias". E é essa inversão de prioridades que a atriz busca reverter.
Lawrence sentiu na pele: o ativismo direto e barulhento joga lenha em uma fogueira de divisão social. O perigo é claro: se o público não concorda com o posicionamento pessoal e incisivo do criador, ele ignora a obra, atirando-a no lixo ideológico sem sequer dar-lhe a chance de tocar a emoção. A Arte, que deveria ser um ponto de encontro e empatia, vira apenas mais um ponto de discórdia. Com a humildade de quem viu a mecânica da fama por dentro, J-Law reconhece a vaidade inerente ao ativismo de celebridade, aquele que, no fim das contas, apenas cria mais ruído em um ambiente já saturado.
Seu recuo, portanto, é menos uma desistência e mais um ato estratégico de proteção da obra. Ela quer resguardar a narrativa da gritaria estéril da política e do julgamento binário das redes sociais, preservando seu poder de diálogo a longo prazo.
O golpe de mestre na nova filosofia de Lawrence é a distinção cirúrgica entre o ativismo que ofusca e o ativismo que se camufla na história. É uma mudança de vetor: a Arte vira um escudo.
Enquanto na antiga abordagem, a opinião pessoal, gritada em manchetes, era a ponta de lança, na nova, a narrativa se transmuta em um canal potente. A atriz percebeu que quando você berra uma manchete política, você afasta metade da plateia; mas quando você conta uma história sobre pessoas reais (como ela tem feito ao produzir projetos como Bread and Roses ou o documentário Zurawski v. Texas), o espectador se conecta à humanidade da experiência antes mesmo de notar a mensagem social.
Nesta perspectiva recalibrada, a arte não é um panfleto descartável; é um espelho. Ele obriga o espectador a sentir, a humanizar o tema, e a internalizar o dilema. É uma forma de infiltrar a ideia através da emoção pura, e não de impô-la pela retórica do púlpito. A obra, assim, se torna o veículo de uma verdade sentida, não de uma tese argumentada.
O mais fascinante é que ela não foge da luta. Ela, friamente, mudou de campo de batalha para o que podemos chamar de curadoria seletiva — um ativismo de bastidor e de alto impacto estratégico.
A estrela deixa de usar a voz (seu megafone pessoal) nas entrevistas e redes sociais para usar a voz da obra (seu megafone artístico). A declaração política mais impactante de Jennifer Lawrence não é um tweet acalorado, mas sim a escolha e a dedicação aos projetos que ela decide produzir e estrelar.
A conclusão é cristalina e resgata um princípio estético antigo, muitas vezes esquecido na era digital: a arte precisa falar por si mesma. Quando o artista vocal contamina a obra com seu discurso pessoal inflamado, ele a reduz a uma mera "propaganda" de uma causa, limitando seu alcance.
Lawrence, ao dar um passo atrás e resguardar seu eu político, está criando um espaço seguro para sua arte. Ela permite que a obra seja a mensageira principal, preservando sua ambiguidade, sua complexidade, e, acima de tudo, seu alcance universal. O ativismo mais eficaz, segundo a estrela, é aquele que sussurra através de uma grande história, forçando a reflexão e a empatia, em vez de berrar uma manchete polêmica que apenas confirma preconceitos e fecha mentes.
O ar da Brasília digital está pesado, carregado não de chuva, mas de bytes e controvérsia. De um lado, o Legislativo, com a boa intenção de quem quer limpar a praça pública da desinformação e do ódio. Do outro, uma fileira de críticos — gigantes da tecnologia, ativistas e juristas digitais — com a testa franzida e um grito de alerta: "Cuidado! O remédio pode ser pior que a doença."
O centro dessa disputa é o Projeto de Lei $2630/2020$, batizado com a alcunha séria de "PL das Fake News", mas que, na prática, virou um nó górdio que tenta amarrar as rédeas soltas da internet brasileira.
O argumento que ressoa mais forte na sala de debates é o da censura. Não a censura estatal direta, com um carimbo oficial, mas algo mais sutil e talvez mais perigoso: a autocensura das plataformas. O PL, ao ameaçar as gigantes de tecnologia com multas que fariam tremer qualquer balanço por "conteúdo ilegal" ou "desinformação", está, na verdade, colocando-lhes uma arma na mão.
O crítico aponta que, no receio de serem punidas, as plataformas farão o que chamam de overblocking: uma remoção excessiva. "Eles não vão se arriscar," dizem os especialistas, "vão tirar o conteúdo na dúvida, silenciando o debate legítimo e o ativismo, apenas por autoproteção." Assim, as empresas privadas, de Wall Street a Mountain View, ganhariam o poder de decidir, na prática, o que é permitido e o que é proibido no Brasil, sem o crivo de um juiz ou de um tribunal. A falta de clareza nas definições jurídicas atua como uma neblina, garantindo que a arbitrariedade encontre um bom esconderijo.
Por trás dessa discussão, há um fantasma que assombra os arquitetos da internet brasileira: o Marco Civil da Internet ($12.965/2014$). O Marco, nosso grande farol digital, estabeleceu uma regra de ouro: as plataformas só respondem por um conteúdo se desobedecerem a uma ordem judicial específica de remoção.
O PL $2630$ ignora esse alicerce. Ao exigir a moderação proativa – ou seja, que as empresas policiem o conteúdo antes que um juiz se manifeste – ele transforma as plataformas em "delegados de conteúdo". Essa transferência de poder, que deveria ser do Judiciário (a única instância com legitimidade constitucional para tal), é vista como um golpe direto no equilíbrio que protegeu a inovação e a liberdade de expressão por mais de uma década.
Aprofundo os detalhes incômodos. A proposta de exigir a identificação de usuários, talvez via CPF, e a rastreabilidade de mensagens (as famosas "correntes de WhatsApp") é lida como um cerceamento ao anonimato. Para o dissidente, para o ativista que precisa se esconder das garras da opressão, o anonimato online é uma armadura. Fragilizá-lo é expor dados sensíveis e silenciar os mais vulneráveis.
E no campo econômico, o debate sobre regulação vira uma história de Davi contra Golias. As exigências complexas de compliance, que demandam investimento pesado em Inteligência Artificial e exércitos de moderadores, são impossíveis de serem cumpridas por startups e pequenas empresas. O resultado? A lei beneficia quem já é gigante. Consolida-se, assim, a capacidade de ditar regras e a concentração de mercado nas mãos das poucas e poderosas "Big Techs".
Ainda no caldeirão do PL, há um ingrediente que, para os críticos, não deveria estar ali: a obrigatoriedade de remuneração do conteúdo jornalístico pelas plataformas. A discussão sobre direitos autorais e compensação financeira, embora legítima, é vista como uma cortina de fumaça. "Não se pode misturar uma pauta econômica com a essencial discussão sobre os limites da liberdade de expressão," insistem os opositores, preocupados que o tema do dinheiro obscureça o debate fundamental sobre a censura.
O que se desenha, em suma, é um dilema da modernidade: a necessidade de ordem em um espaço sem fronteiras contra a garantia de que esse espaço não vire um pântano de regras arbitrárias. Os críticos do PL $2630/2020$ concordam que a desinformação é um veneno. No entanto, alertam que a dose proposta pelo Legislativo é tão letal que pode matar, junto com a mentira, a própria voz da democracia.
O desafio, agora, é encontrar a bússola que aponte o caminho estreito entre a proteção da sociedade e o imperativo constitucional que garante: falar livremente é o direito que protege todos os outros.
segunda-feira, 10 de novembro de 2025
A morte do jornalismo mundial: A BBC e o Espetáculo da Manipulação
O que fazer quando a Torre de Marfim do jornalismo, aquela que jurou ser o farol da verdade, desaba sob o peso da ideologia? A crise na BBC não é apenas um "escândalo"; é um epitáfio à custosa ilusão da imparcialidade na era polarizada. A respeitável sigla, sinônimo de credibilidade por gerações, transformou-se, de forma contundente, em um estudo de caso sobre como o jornalismo pode sucumbir ao vírus da agenda.
O caso Donald Trump é a peça de teatro central neste drama da credibilidade. Não se tratou de um mero erro de edição, mas de um ato cirúrgico de manipulação. O que o relatório interno vazado (realizado por um consultor externo) expõe é a trapaça mais rasteira: a junção seletiva de frases separadas por quase uma hora para forjar uma citação incitadora: "Vamos descer até o Capitólio. Eu estarei com vocês. E vamos lutar. Vamos lutar com todas as forças".
O crime jornalístico é duplo. Se a adição é desonesta, a omissão é letal. Ao silenciar o trecho em que Trump pedia que seus apoiadores protestassem de forma pacífica, a BBC não estava "informando"; estava fabricando um vilão ideológico, cozinhando uma narrativa a fogo alto para consumo público. A intenção não era informar o que o político disse, mas sim o que os editores queriam que ele tivesse dito.
Se o caso Trump foi o estrondo, o relatório Michael Prescott revelou que o problema é sistêmico. As denúncias de manipulação vão além, manchando coberturas sensíveis e urgentes, como a Guerra em Gaza e as discussões sobre identidade de gênero.
No BBC Arabic, a acusação é de uma parcialidade que beira a propaganda: a minimização do sofrimento israelense para, convenientemente, "pintar Israel como o agressor". Ao apressar "alegações contra Israel" para ir ao ar e, em contraste, relegar as perspectivas israelenses, a emissora trai seu princípio mais básico, servindo apenas como um megafone para uma visão unilateral do conflito.
E na cobertura de questões de gênero, o viés "Stonewall" sugere que a emissora foi "capturada" por um grupo de funcionários com agenda, resultando em um "gotejamento constante de histórias unilaterais" e na supressão de narrativas que levantassem questões complexas. Isso não é serviço público; é militância paga com dinheiro público.
As renúncias do diretor-geral, Tim Davie, e da diretora de jornalismo, Debora Turness, são a confirmação mais eloquente da falha. Elas não caíram por "erro"; caíram por falta de integridade. O gesto, alegadamente para "preservar a integridade da instituição", soa mais como uma tentativa desesperada de sacrifício ritual para salvar a fachada de um prédio que já está em ruínas.
A BBC pode, como afirmou a ex-diretora Turness, "permanecer a marca de notícias mais confiável do mundo". Mas isso é uma declaração de desejo, não um fato. Em um mundo onde a confiança é o capital mais escasso, a BBC, com suas edições manipuladoras e omissões cruciais, queimou o seu. Ela provou ser apenas mais um jogador no jogo político, e não o árbitro neutro que alegava ser.
Esta crônica é um grito de alarme: o jornalismo não pode se dar ao luxo de se tornar uma ferramenta ideológica. Quando a própria instituição que deveria zelar pela verdade a distorce de forma tão cínica, ela não apenas falha com seu público; ela deslegitima toda a profissão. O epitáfio está escrito: a verdade não foi editada, ela foi eliminada.
domingo, 9 de novembro de 2025
O Preço do elogio
A crítica. Ah, a crítica! Sempre a dicotomia fácil: construtiva versus destrutiva. A primeira, vestida de branco, trazendo a boa-nova do aprimoramento; a segunda, de preto, com a foice do puro desejo de demolição. A vida, porém, não se contenta com o maniqueísmo. O mundo, meu caro leitor, é feito de cinzas e de uma terrível paleta de tons de interesse.
Existe, sim, aquela que chega com a brutalidade da sinceridade, uma marreta que desfaz o que parecia sólido, mas que, no fundo, almeja apenas o bem do alicerce. É a crítica que dói fundo, que destrói para agregar, para que sobre o essencial. É dura, mas limpa.
Mas há a pior delas, o parasita da boa intenção, a mais nefasta das modalidades: a crítica com preço.
Esta veste a carapuça da "sugestão valiosa", do "olhar de quem entende", do "ponto de melhoria crucial". Ela não chega para destruir nem para purificar; ela chega para negociar. É a voz sussurrante que aponta falhas precisas, defeitos pontuais, com ares de quem detém a fórmula da perfeição.
O objetivo? Não o seu sucesso, mas a sua dependência.
O cenário se arma com a precisão de um golpe. O crítico "construtivo" exibe a ferida, a fragilidade do que você criou com suor. O desespero da vítima é o seu lucro. A falha só será resolvida, veja bem, se ele for inserido financeiramente no problema. Contrate-o. Pague a consultoria. Dê-lhe a fatia do projeto.
E o que acontece no instante em que o tal crítico é, enfim, "comprado"? O defeito colossal que ele apontava, a falha estrutural que exigia uma intervenção urgente, a ineficiência que custaria o futuro do empreendimento... tudo, de repente, desaparece.
Como num passe de mágica cínica, a urgência se dissolve. A palavra que era navalha se torna silêncio. O problema não precisava de uma solução; precisava de um sócio disfarçado de consultor. O crítico some, levado pelo seu lucro garantido, abandonando a cena do crime (a sua crítica inicial) com os bolsos cheios.
É preciso ter olhos de lince para ver o cifrão por trás do louvor disfarçado de desaprovação. A crítica deve ser o espelho da verdade, não a moeda de troca do espertalhão. Que a crítica seja dura e sincera, ou honestamente destrutiva, mas que nunca, nunca, se vista de "construtiva" para apenas garantir o desaparecimento do crítico mediante pagamento. Essa é a verdadeira demolição: a da ética.
sexta-feira, 7 de novembro de 2025
O escândalo da coxinha na COP30 de Belém
Sexxxxtou, galera!!!!!!!!!
A Belém do Pará se vestiu de gala. Luzes, líderes globais, discursos inflamados sobre salvar o planeta, combater a desigualdade, abraçar a Amazônia. A COP30, a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, era a grande vitrine. Mas, ironicamente, o que ficou mais evidente não foi a união por um futuro verde, e sim a espantosa distância entre o púlpito e o prato.
O burburinho começou na restrita Blue Zone, o santuário da delegação e da imprensa internacional. Ali, onde o discurso é de sustentabilidade e acesso, o que imperou foi o monopólio e a extorsão. Não foi um debate sobre créditos de carbono que acendeu a faísca, mas sim o preço de uma mísera coxinha.
O tiro de largada veio do repórter Márcio Gomes, da CNN Brasil, que não se conteve e expôs a conta de um lanche trivial: dois salgados e um refrigerante por R$ 99,00. R$ 99,00! É o preço de um bom rodízio em metrópoles, ou o valor da feira de uma semana para muitas famílias de Belém.
O cardápio da conferência, um catálogo de preços surreais, confirmou a aberração:
Água mineral (350 mL): R$ 25,00 (a poção mágica mais cara da Amazônia).
Coxinha de frango: R$ 45,00 (um salgado de ouro, frito na hipocrisia).
Suco de cupuaçu (regional!): R$ 30,00 (o sabor local transformado em luxo inalcançável).
Os participantes, reféns da segurança que os impedia de levar a própria comida, eram forçados a participar do Banquete da Carestia. A justificativa dos fornecedores? "Alta logística", "investimento", "taxas dolarizadas". Balela. Para quem estava ali, o cheiro não era de filé ao molho madeira (este, a módicos R$ 70,00), mas de lucro desenfreado em um ambiente de monopólio.
O escândalo extrapolou a comida. A própria cidade de Belém viu os preços de hospedagem decolarem em patamares alarmantes. A ONU, a própria anfitriã do debate sobre a crise climática, teve de limitar a presença de seus funcionários. Pensem bem: a organização que luta contra a desigualdade global foi forçada a se encolher por causa da carestia local gerada pelo seu próprio evento.
A crise de custo na COP30 se tornou, assim, um símbolo amargo: as grandes decisões sobre o clima, que deveriam nascer da urgência das populações mais vulneráveis, estavam sendo tomadas dentro de uma bolha de inacessibilidade elitista.
A Justiça e o Governo intervieram, propondo fiscalizações e um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), tentando remendar a imagem de um evento que se propunha a ser a vitrine da Amazônia, mas que acabou servindo como um palco para a segregação econômica.
A lição final, a mais cínica de todas, é que o debate sobre salvar o mundo foi relegado a segundo plano por uma verdade cruel: para ter voz na Conferência que deveria abraçar a todos, era preciso, antes de tudo, ter um bolso incrivelmente fundo. A COP30 de Belém será lembrada não apenas pelos discursos, mas pelo lanche de R$ 99,00 que denunciou o elitismo da causa verde.
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