quinta-feira, 25 de setembro de 2025
Diálogos
No Brasil, parece que todo mundo virou especialista de internet e filósofo de rede social, né?
Nesse mundinho de ideias sem pé nem cabeça, onde o que vale é lacrar, fiquei imaginando como seria se Sócrates e Platão batessem um papo sobre a polarização política aqui. E, na minha cabeça, a conversa foi mais ou menos assim:
Sócrates: Pelo amor de Atenas, Platão, que feição é essa? Que tragédia viu para estampar essa máscara de desalento? A jornada por esta terra, que chamam Brasil, parece ter te roubado a paz. Não me venha com evasivas. O que te enoja?
Platão: Mestre, não é o que vi, mas o que não vi. Fui em busca de uma sociedade, e encontrei apenas tribos em guerra. As cidades, estas aglomerações caóticas, estão rachadas. As pessoas, em vez de conviverem, se enfrentam em bandos separados por abismos de ódio e convicções pueris. Eles chamam isso de "polarização".
Sócrates: Polarização? Um termo pomposo para a falta de caráter. O que a causa? Uma busca honesta pela verdade, ou a ganância por algo que apodrece a alma?
Platão: Não há busca pela verdade aqui. Cada facção se agarra à sua própria "verdade absoluta" e vê o outro como uma aberração a ser extinta. Os debates não são para construir, mas para demolir. As palavras, que deveriam ser ferramentas de compreensão, se tornaram maças para esmagar o adversário. Vi pai e filho, irmão e irmã, se tornarem estranhos, e tudo por causa de opiniões políticas idiotas.
Sócrates: E quem são os parasitas por trás disso? Os filósofos, que guiam com a razão? Ou os sofistas, que negociam com a mentira?
Platão: Há sofistas, mas de uma nova estirpe. Eles usam caixas de luz, que chamam de telas, para injetar veneno nas mentes. Não lhes interessa a justiça ou a virtude. Sua única preocupação é vencer, custe o que custar. Convencem a massa de que o "outro lado" é o inimigo a ser aniquilado. E a massa, estúpida e sugestionável, troca a razão pelo eco do bando, aceitando discursos vazios e mentiras descaradas.
Sócrates: Ah, Platão. Nossa República, com sua visão de justiça e reis-filósofos, é uma fantasia risível diante deste espetáculo de horrores. Nossas discussões sobre os perigos da democracia parecem ingênuas. Dizíamos que a liberdade desmedida leva à tirania, que um povo cansado do caos e da disputa infértil se ajoelha por um líder forte que prometa ordem. E neste país, vi esse desejo imbecil em cada esquina.
Platão: Sim, mestre. É como se eles preferissem a escuridão confortável de uma caverna em vez do ofuscante sol da verdade. Idolatriam seus líderes como deuses ou salvadores, e qualquer crítica a eles é vista como traição. O diálogo morre, e em seu lugar fica apenas a ressonância de suas próprias vozes. Assim, o Estado, que deveria ser um corpo coeso, é dilacerado por suas próprias vísceras.
Sócrates: E qual o antídoto para essa pestilência? Deveríamos, como você propôs, impor uma aristocracia de filósofos para governá-los?
Platão: Uma aristocracia seria inútil. A República ideal é uma miragem neste deserto de ignorância. A única esperança, se é que existe alguma, reside na educação. Mas não uma educação que apenas lhes ensine a soletrar. Mas uma que incite a reflexão, que estimule a dúvida, que os force a distinguir o que é justo do que é apenas conveniente. Uma educação que liberte essas almas aprisionadas das sombras da caverna e as arraste para a luz da razão.
Sócrates: E qual seria nosso papel, Platão? O que diríamos a essa gente?
Platão: Eu diria que seu maior inimigo não é o oponente político, mas a própria estupidez e o ódio que alimentam em seus corações. Eu diria que a busca pela virtude e pela justiça é uma jornada árdua, e é a única que leva à felicidade real. E que o diálogo, por mais doloroso que seja, é o único meio para que se reencontrem no caminho.
Sócrates: Palavras sábias, meu discípulo. Mas duvido que eles ouçam. A filosofia, como sempre, exige esforço: a busca honesta, a dúvida genuína, a autocrítica. E eles preferem a segurança de suas bolhas. Não basta ter uma opinião; é preciso ter a coragem de destruí-la quando ela se mostra falsa. E essa coragem, Platão, parece ter se extinguido neste lugar.
E com um aceno, os dois retomam sua caminhada, com a esperança de que, um dia, a busca pela verdade prevaleça sobre as paixões da cidade.
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